Aranha se cala 1 ano após racismo no Sul; tema segue tabu social no Brasil

28/8/2015 14:44

Aranha se cala 1 ano após racismo no Sul; tema segue tabu social no Brasil

Goleiro Aranha treina pela primeira vez com a camisa do Palmeiras

Aranha se cala 1 ano após racismo no Sul; tema segue tabu social no Brasil

GAZETA PRESS



Os gritos estavam abafados por parte da torcida, mas nada soou tão claro aos ouvidos dele. Na sua cabeça, o estádio lotado enigmaticamente estava em silêncio e tudo o que se ouvia eram sons em alusão a um macaco. A dor veio como um soco no escuro, firme, pesado, sem a menor chance de defesa. De quem eram aquelas vozes cheias de ódio? Quantos estavam gritando? 50? 100? Não importava mais. Como em um piscar de olhos, e de forma tão simples quanto rasgar uma folha de sulfite, a humanidade de Márcio Lúcio Duarte Costa, o goleiro Aranha, estava questionada. E nada poderia ser pior.



O dia 28 de agosto de 2015 marca um ano desde que um grupo de torcedores gremistas insultaram Aranha na partida contra o Santos, em Porto Alegre, pela Copa do Brasil. Lembrar do episódio ainda o incomoda e talvez seja assim para sempre, mas a incompreensão popular tirou dele a vontade de falar.



Hoje no Palmeiras, o goleiro adota o silêncio e não quer se pronunciar sobre o tema. De acordo com apuração do ESPN.com.br, Aranha acredita que não seria bom se expor ao risco de ser taxado como aproveitador, como algumas pessoas sugeriram na época. O temor é ser criticado como alguém que pretende "aparecer" na mídia como vítima, mesmo após denunciar um crime previsto na Constituição.



Além disso, o arqueiro ficou decepcionado com o "circo" criado por parte da mídia, que explorou o caso excessivamente e, em certas ocasiões, faltou com o devido cuidado ao analisar o tema.



Apenas em 2014, 567 denúncias de injúria racial ou racismo foram feitas na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), órgão federal responsável por encaminhar denúncias às autoridades competentes. Apesar de superior em relação a anos anteriores, o número poderia ser maior, principalmente no esporte.



Para o ouvidor da Seppir, Carlos Alberto Júnior, o fato de o atleta não querer falar ainda é uma espécie de efeito colateral do preconceito racial, já que o crime nasce na contradição e negação das pessoas, que transferem para a vítima a culpa pelo ocorrido. Logo, o medo de comentar determinado fato pode ser um dos motivos que atrapalham na hora de formalizar uma acusação.



"As pessoas admitem que existe racismo no Brasil, mas elas não dizem que são ou que conhecem alguém. O racismo começa nessa contradição. Não me estranha o jogador não querer falar, mas me causa uma decepção com o caso. Queríamos que ele falasse de uma forma que tivesse apoio da sociedade. Que ele não fosse culpado. Ele é a vitima e não autor", analisa em entrevista ao ESPN.com.br.



"É um absurdo. A sociedade deveria tratá-lo como alguém que denunciou e está querendo fazer uma discussão. É inaceitável para um país que quer ser desenvolvido. Vamos tirar todos os negros do futebol brasileiro e ver se existe futebol. É possível? Quando você discrimina o Aranha, você discrimina o Tinga, o Neymar, o Robinho. O racismo tira a humanidade de uma pessoa."





GAZETA PRESS

Aranha foi chamado de 'macaco' por torcedores




A opinião do ouvidor da Seppir vai ao encontro do trabalho realizado por Marcel Diego Tonini, historiador e doutorando sobre o racismo no futebol na Universidade de São Paulo. Marcel acredita que a tendência é que alguém racista veja o negro que denuncia a injúria como um "revoltado", o que contribui para uma tese de "vitimismo".



"Todos os jogadores e profissionais negros na ativa têm receio de falar. Eles sabem que é tabu no Brasil. Invariavelmente, quem lida com isso parece que é um negro revoltado, ‘perigoso'. Eles (negros) sabem os direitos, sabem a situação. Além de tudo eles podem combater. Quem denuncia é sempre mal visto. Não é só no futebol, mas é mais acentuado", aponta.



"Isso faz parte da ideologia brasileira, que prega que o negro que reivindique seus direitos seja mal visto. O Paulo Cesar Caju é um deles. Sempre que aparece um jogador que reivindica, sempre vai ser mal visto. Não só o negro, mas todo jogador que briga, como o Paulo André (zagueiro do Cruzeiro). Ele é uma pessoa esclarecida, que sabe dos direitos. A cartolagem não gosta disso."



Mar de ódio social



Outra ferramenta que aumentou o número de denúncias e inflou o discurso do "vitimismo" foi a internet. As redes sociais potencializaram os casos e viraram uma espécie de "mar de ódio". E não é preciso ficar apenas no caso Aranha para ter um exemplo.



Recentemente, o treinador Cristóvão Borges concedeu entrevista aos canais ESPN para dizer que existiam componentes racistas nas críticas feitas por parte da mídia em relação ao trabalho do treinador no Flamengo.



Em pouco tempo, o discurso do comandante, que deixou o cargo no último dia 20, foi atacado nas redes sociais. Alguns torcedores disseram que Cristóvão não sofreu preconceito e que tentou desviar a culpa do mau trabalho no clube rubro-negro.



"Só os negros podem dizer se é racismo ou não. Não é só por palavras, às vezes basta um olhar. Apenas não é verbalizado", afirma Tonini.





REPRODUÇÃO

Torcedores acusam Cristóvão em página oficial da ESPN Brasil no Facebook




Impunidade?



De forma simplificada, o racismo, que de acordo com o Código Penal consiste no ato de impedir ou discriminar a presença de negros em diversos estabelecimentos ou até mesmo negar emprego a uma pessoa pela cor da pele, é um crime inafiançável e imprescritível desde 1988, com a nova Constituição.



Já a injúria racial está ligada ao uso de palavras depreciativas para referentes à raça com a intenção de ofender a honra da vítima. A possível



Mas como atividades criminosas são cada vez mais recorrentes no Brasil? A resposta está na mentalidade de algumas pessoas, que estão acostumadas com "vale tudo" do estádio, como se o futebol estivesse acima das leis.



"É comum pessoas acharem que o futebol é completamente fora da sociedade. Parece que ali dentro vale tudo. Como se ali não tivesse lei, como se não tivesse que ser julgado. Há uma impressão de pode tudo. Os negros conseguiram seus direitos. Hoje racismo é crime", diz Tonini.



O ouvidor Carlos Alberto Júnior tem a mesma opinião e questiona o fato de como alguém pode acreditar que é normal cometer um crime dentro de um estádio de futebol.



"Algumas pessoas entendem que no futebol vale tudo, todo tipo de conduta, que aquilo está dentro da perspectiva do esporte. Não é possível que você mate alguém no campo e ache que é do esporte. Então não é concebível você cometer um crime previsto na constituição", diz Carlos Alberto Júnior.



Outra parte da resposta está na própria dificuldade para que alguém comprove ter sofrido preconceito racial. No caso do goleiro Aranha, quatro torcedores identificados na partida foram penalizados por injúria, mas chegaram a um acordo com a Justiça e pegaram pena alternativa, tendo que comparecer a delegacias durante os jogos do Grêmio. A possível subjetividade está em definir se foi apenas um ataque à honra ou racismo de fato, já que a presença do atleta durante o exercício da profissão foi questionada.



Com Aranha ainda houve punição, mas nem sempre é assim.



O último estudo feito pelo Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro apontou que entre 2005 e 2008 foram julgadas, em segunda instância, 273 ações pelo crime. Somados Tribunais de Justiça e Trabalho, os réus venceram 167 vezes. Já as vítimas ganharam em 92 oportunidades. Os demais casos ficaram em branco.





REPRODUÇÃO ESPN

Aranha foi vítima de racismo em agosto de 2014




O Estado com o maior número de julgamentos foi o Rio Grande do Sul, com 90, correspondente a 32.9% do total. Minas Gerais, com 20.5%, e São Paulo, com 12%, estão logo em seguida.



"A sensação de impunidade não é só pelo racismo, mas pela morosidade do judiciário em julgar. Isso paira a impunidade. Isso faz com que as pessoas se desmotivem", aponta Carlos Alberto Júnior.



Como agir?



Até o fechamento desta matéria, uma ou muitas pessoas sofreram com o preconceito racial em algum lugar do Brasil, assim como aconteceu com o goleiro Aranha. No entanto, seja pela demora até o julgamento em uma ação ou por temer ser taxado como alguém que pretende "aparecer", a vítima tenha algum temor de procurar as autoridades. De acordo com uma espécie de "manual", a Seppir indica que o melhor caminho a ser adotado por quem sofre é denunciar. O primeiro passo é procurar a polícia, que deve prender o criminoso em caso de flagrante.



Em seguida, a vítima deve identificar possíveis testemunhas, pedindo nomes e contatos. A atitude seguinte é prestar queixa em uma delegacia da Polícia Civil e deixar claro o desejo de processar o autor da agressão.



Por último, caso a polícia se recuse a fazer o registro, é necessário procurar a Ouvidoria da Polícia Civil e denunciar uma falha na conduta do atendente.



"Até educar, ensinar que é errado, leva gerações. Não é algo novo. Não é de hoje que o branco se sente superior a ponto de xingar um negro e saber que nada vai acontecer com ele. Isso desde a época da escravidão", diz Tonini.



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