Antônio Carlos Zago assumiu o Juventude em agosto passado e só tem cinco derrotas
Multicampeão como jogador, Antônio Carlos Zago pode dar sua primeira volta olímpica como treinador neste domingo, caso seu Juventude vença o Internacional por qualquer resultado a partir de 2 a 1 — o triunfo por 1 a 0 leva a decisão do Campeonato Gaúcho para os pênaltis. E a conquista do estadual é o primeiro de um audacioso plano de carreira traçado pelo ex-zagueiro de Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Santos.
Hoje, com 46 anos, Zago se diz preparado para dirigir qualquer clube grande do país. A convicção vem dos anos de estudo na Europa. Ele tem as três licenças da Uefa para treinadores. Também estagiou nos maiores clubes do Velho Continente e foi auxiliar-técnico na Roma e no Shakhtar.
Nesta entrevista exclusiva, o treinador revela vontade de reescrever sua história no Palmeiras, clube que dirigiu por apenas três meses, em 2010, admite decepção com Andrés Sanchez e Mario Gobbi por sua saída do Corinthians (que teve a ver com uma balada de Ronaldo em Presidente Prudente), avalia que seus colegas de profissão precisam de reciclagem, se diz arrependido do ato de racismo…
BLOG_ Antes de ser técnico, você foi diretor de futebol, do fim de 2007 a março de 2009, na era Andrés Sanchez, no Corinthians. Acha que foi bem?
ANTÔNIO CARLOS ZAGO_ Desde que me aposentei como jogador, meus dois melhores momentos foram como diretor no Corinthians e agora, como técnico do Juventude. Só assumi como executivo por causa do bom relacionamento com o Andrés. As pessoas no Corinthians, como o Mario Gobbi, não conheciam muito dos bastidores do futebol e eu sempre tive bons relacionamentos. Foi um trabalho superimportante.
O Corinthians da sua época era completamente diferente do clube de hoje. Sente-se responsável pelas mudanças?
Eu fico orgulhoso, porque me lembro até hoje da primeira vez em que fui ao CT. Tive de usar bota de borracha, porque aquilo era um brejo. Começamos a montar o projeto de construção do CT e estive lá recentemente. Quanta diferença em termos de estrutura… Em 2008, tínhamos a ideia de chegar à final do Mundial em cinco anos. O Corinthians chegou em quatro e ainda acabou campeão.
Quais eram as dificuldades?
As partes financeira e de estrutura. O Corinthians havia acabado de cair para a Série B, com folha salarial de R$ 3,5 milhões por mês. Para 2008, teríamos de reduzi-la para R$ 2 milhões. Aí, na base dos contatos, fomos formando a base que ganhou tudo. O Douglas foi ganhando R$ 60 mil. O Chicão, R$ 45 mil. O Alessandro, R$ 35 mil. O André Santos, R$ 30 mil… O William e o Herrera tinham um salário um pouco maior.
Mas qual foi sua participação nessas escolhas?
O Chicão tinha proposta do Palmeiras e escolheu o Corinthians por causa da boa relação que tinha comigo. O Alessandro também. Havíamos jogado juntos no Santos. O André Santos veio com a ajuda do Chicão. Fui eu quem apostou no Cristian, que estava no Flamengo. O Elias vinha despontando na Ponte… O Mano Menezes indicou o William e o Herrera.
E as instalações no Parque São Jorge, onde treinavam?
Era a mesma estrutura de dez anos antes, quando eu havia jogado por lá. Reformamos todo o vestiário com dinheiro de investidores e fomos dando um ar mais profissional ao clube, para vencer a Série B.
Você pediu demissão em março de 2009, após o Ronaldo faltar a um treino porque ficou em uma casa noturna em Presidente Prudente até 5h30. Você foi com ele na balada?
Não. Eu fui lá apenas para tentar convencê-lo a voltar para a concentração. Havia outras pessoas com cargo acima do meu que poderiam ter tomado frente, mas não tomaram e eu arquei com as consequências.
Quem estava acima de você era o presidente (Andrés) e o vice de futebol (Mario Gobbi).
Já faz parte do passado. Admito que ficou uma decepção, porque os dois se esconderam, e muito. Acabei me expondo, mas faz parte. O importante é o momento que vivo hoje. Aproveitei a chance para virar treinador, que era meu objetivo.
Tem contato com o Andrés?
Estamos mais distantes, porque ele se tornou deputado e tem seus afazeres. Crescemos juntos, trabalhamos no Ceasa, em Campinas. Ele vendia plástico e eu carregava caixa. Chegamos a conversar depois do episódio no Corinthians, mas algumas coisas mudam. São pensamentos diferentes.
Meses depois, você já era técnico do São Caetano e, em 2010, foi para o Palmeiras após derrotar o então time do Muricy Ramalho, por 4 a 1. Por que não deu certo no Palmeiras?
Desde o início, foi tudo errado. Eu não deveria ter ido para o Palmeiras, mas apareceu a chance de voltar para uma casa que conhecia, treinar o clube para o qual a maioria da minha família torce… Tudo isso influenciou um pouco.
Por que não deveria?
Não era o momento. Eu estava apenas iniciando a carreira, não tinha estudo nem o conhecimento de hoje. E também fiquei sabendo, depois, que me pegaram como técnico tampão, porque já haviam fechado com o Felipão há algum tempo.
Como assim?
O meu auxiliar no Juventude, hoje, é o Galeano, que estava naquela época no Palmeiras. Ele disse, tempos depois, que o Felipão já havia dito “sim”. E todo mundo sabe como a história terminou: com o Palmeiras na Segunda Divisão (dois anos depois, em 2012). No futebol, você colhe o que planta.
Por que o Palmeiras mereceu ir para a Série B?
Não havia uma linha profissional em todos os sentidos, inclusive em termos de diretoria. Não se sabia quem mandava, a ponto de a torcida se reunir na casa do presidente (Luiz Gonzaga Belluzzo). Todas essas coisas que não acontecem hoje em dia dentro do Palmeiras. Os resultados estão aparecendo.
Você foi demitido por que brigou com o atacante Robert?
Não teve isso. Essa história foi criada por um crápula que trabalhava no Palmeiras, o Sérgio do Prado, que depois acabou mandado embora pelo Felipão. Ele começou a fazer fofoca. Fomos jogar no Rio e liberei o time até certo horário. O Robert chegou atrasado, chamei a atenção dele e ficou por aí. Criaram essa situação.
Você disse que não tinha estudo para treinar o Palmeiras em 2010. O que fez desde lá?
Fui para a Europa. Hoje, tenho as três licenças da Uefa para ser técnico de futebol. Também fiz estágio no Shakhtar e na Roma, rodei pela Europa, fui auxiliar técnico, observador, analista… A licença B exige que você passe 40 dias estudando de segunda a sexta, quatro horas por dia. A licença A tem carga de 70 dias. Já a Uefa Pro, um ano.
O que tudo isso mudou nos seus conceitos sobre futebol?
Tenho uma visão de futebol completamente diferente dos tempos em que fui jogador. Em termos de condução do grupo, do vestiário, relação com a diretoria… Um técnico precisa elaborar os treinos com antecipação, tem de contar com uma metodologia de trabalho. Só para se ter uma ideia, tive de apresentar tese para conseguir a licença da Uefa Pro.
Tem vontade de voltar ao Palmeiras?
Dirigi o Palmeiras na hora errada e espero ter uma segunda chance, na hora certa. Estou preparado. É claro que não quero o lugar do Cuca. Estou me referindo a algum momento. É legal ver que o Paulo Nobre se cercou de grandes profissionais, como o Alexandre Mattos, bicampeão brasileiro.
Você é palmeirense?
Até o dia em que estreei como jogador de futebol por uma equipe grande (pelo São Paulo, em 1990), eu tinha um time de coração. Não sou hipócrita de falar que amo um clube em específico, mas tenho carinho por todos os times pelos quais passei. Até hoje, me reconhecem e dizem que joguei para caramba. Agora, quero escutar isso como técnico.
Quais são seus planos como treinador?
Primeiramente, quero conseguir esse título do Campeonato Gaúcho com o Juventude. O Brasil precisa de reciclagem e faço parte dessa nova safra de treinadores mais preparados. Falo isso com orgulho, porque estudei para isso. Joguei durante 25 anos e passei os últimos três me preparando. Depois, quero me firmar como treinador e ir para um grande clube.
Quando imagina que dará o salto para esse clube grande?
Tenho contrato até o fim do ano e costumo cumprir os acordos. Até já apareceram algumas coisas, como do Figueirense, mas acabei ficando pelo projeto que estava iniciando.
Qual o tamanho do feito do Juventude ao chegar na final do Campeonato Gaúcho?
A hegemonia de Inter e Grêmio no Rio Grande do Sul é enorme. Para se ter uma ideia, o Juventude não chegava à final há nove anos. O clube tem seis finais em sua história e um título. Se ganharmos, ficaremos marcados para sempre.
E qual a chance, após perder para o Inter em casa por 1 a 0?
No futebol, sempre existe a chance. O Inter é favorito, mas temos de acreditar no que fizemos até agora.
Você está chegando ao nono mês como técnico do Juventude e tem apenas cinco derrotas. Qual o segredo?
Tenho 13 vitórias, sete empates e essas cinco derrotas desde que cheguei, para dirigir o time na Série C. São números expressivos e têm uma série de explicações. Tem muita gente boa aqui e estamos revelando vários garotos.
O Juventude acabou de vender o Brenner para o Inter. É verdade que você o indicou para o Corinthians?
O Corinthians me consultou e eu disse que poderiam pegá-lo correndo. É um atleta pronto para jogar em equipe grande.
E o seu estilo como técnico?
Carrego algumas coisas que aprendi com o Telê Santana, que chegava a ser chato de tão profissional que era. O treinador tem de ser muito profissional, exigir dos atletas, mas também conversar. Cobro bastante em relação a horário, mas também exijo intensidade.
E em relação à parte tática?
Gosto de times ofensivos. Minhas equipes atuam com linhas bem juntas, compactadas, jogando coletivamente.
Durante os dois anos como auxiliar-técnico do Shakhtar, chegou a sofrer algo por causa da guerra civil na Ucrânia?
Convivi com o pré-guerra. No começo de 2014, estávamos em Donetsk quando começaram alguns conflitos. Estávamos a 150 quilômetros da região onde morreram quase mil pessoas. Cheguei a ver cenas tristes, do pai de um lado e o filho do outro. Mas a guerra explodiu em 26 de maio, uma semana depois do fim do campeonato.
Não teve medo?
Não tem como passar ileso. Perdi conhecidos por causa dos confrontos. O CT do Shakhtar também foi bombardeado. Era um CT lindo. Na praça do lado de casa, morreram cinco pessoas em um conflito e cheguei a ver sangue no chão.
Finalista do Paulistão, o Audax já foi comandado por você, em 2012. Ainda há alguma relação com aquele clube?
Eu que lancei o Tchê Tchê, que está indo para o Palmeiras. Quando cheguei, ele estava praticamente descartado, mas achei que viraria um grande jogador. Mas o clube, em si, é diferente. O Audax daquela época era o clube do Pão de Açúcar e investia tudo na base. Hoje, está ligado ao Grêmio Osasco. São coisas muito distintas.
Você se arrependeu do ato racista contra o Jeovânio, em 2006, quando era jogador?
Claro. Eu me arrependo para sempre do que fiz. Foi um erro dentro de campo e me pegaram para Cristo. Não sou racista e tenho grandes amigos negros, como Aldair, Cleber, Cafu… Foi um momento de nervosismo.
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