Borja e a expectativa de milhões de palmeirenses

O futebol tem mais de amor do que o próprio amor. Trata-se, basicamente, do extenuante processo de se iludir por opção. Diariamente. Por anos. Sem enxergar o fim da linha. Depois do primeiro encontro entre você, os jogadores e a bola correndo, o decreto aparece implícito após o inaugural grito de gol. A partir daquele momento, não se trata mais do que o time ou os jogadores podem te oferecer, porque o objetivo final não é ter algo em troca. Não é apenas ter o elenco mais forte do campeonato ou o time mais vitorioso. Eu falo do processo.



Nós, torcedores convictos, vivemos procurando respostas para tudo. Justificamos bolas na trave por meio de argumentos cósmicos, acreditamos fielmente na existência das forças do futebol e nos entregamos a crenças que nos tornam prisioneiros de manias e ritos semanais. Não existe ateu quando o seu time vai para os pênaltis em uma final. Porque não se trata das cobranças, mas de tudo o que passamos para chegar até lá.



Todo esse universo faz parte de uma longa construção do caráter futebolístico, são anos de vivências que nos tornam metodicamente psicóticos. Porque a culpa não é do jogador que estava em um mau dia, foi a escolha errada da camisa para aquele jogo. O lugar em que você se senta no estádio influenciou diretamente no desempenho da equipe. Se agarrar a algum objeto corrige o time taticamente. E você, naturalmente, repetirá as mesmas ações na esperança de que uma jogada de sucesso se repita.



Não se mexe em time que está ganhando, assim como não se mudam hábitos que contribuíram para o bom desempenho do seu clube no ano.



No meio dessa grande concepção de simbologias, nossos olhos brilham ao acreditar que uma contratação pode chegar, resolver todos os nossos problemas e andar livremente pelo árduo caminho da idolatria. Passionalmente entregamos nossos sentimentos a profissionais que carregam números nas costas e o nosso brasão no peito. Como um contrato, assumimos que os defenderemos enquanto se mostrarem nossos, até saírem pela porta da frente como ídolos. Mas se desperdiçarem o nosso amor e saírem pela porta dos fundos, publicamente os declaramos inimigos imperdoáveis.



É a ingratidão de lidar com a expectativa de milhões. O tempo no contrato é a nossa oportunidade para que façam história. Queremos ser amados, cobiçados e vistos. Gostamos de estar em alta, porque isso demora anos; às vezes, décadas. E o amor pede tempo. Ninguém atesta lealdade se baseando em uma noite, em um título, em um momento. Precisamos sentir a dor e o prazer de se entregar a cada momento, entre erros e acertos, expectativas e frustrações.



Como apaixonados, sofremos na expectativa de que o dia chegue logo. De que as manchetes deixem de ser apenas uma jogada pensada com as nossas emoções. E, no topo da nossa maturidade, nos pegamos sorrindo quando alguém confirma que a desejada contratação está vindo. Como se aquele seu amigo dissesse que a menina (ou menino) que você gosta resolveu te dar uma chance. Você, mentalmente, planeja o casamento, cria situações e legitima para o mundo a sua vitória. Toda a sua construção (de semanas) de expectativas está materializada. E o gosto da vitória é pessoalmente ótimo, mesmo que seja um sentimento de um grupo, porque gastou a sua energia desejando, pensando e discutindo sobre aquilo.



Amamos o futebol porque ele nos surpreende muito mais do que o amor, mesmo quando a gente já tinha desistido. Não é o desfecho que faz a história ser grande, é o processo enérgico que nos torna viciados na emoção de chegar lá. Queremos viver a narrativa para poder gozar livremente do desfecho final.



Venha logo, Miguel Ángel. Esse gol (chorado, mastigado, processado) pode ser nosso, mas espero que os próximos sejam seus.



Obs: quando fui procurar uma foto para o texto, só tinha ele comemorando gol. Bom sinal.

12984 visitas - Fonte: ESPN FC