O Palmeiras carcará: pega, mata, come

Dudu e Borja, matadores do Novorizontino



XV de Jaú, Inter de Limeira, Ferroviária, ASA de Arapiraca, Ipatinga, Mirassol... os últimos 30 anos deiaram no coração do palmeirense traumas difíceis de serem apagados. Se o duelo é contra um pequeno, ou se o time entra para o jogo como favorito, há sempre o resquício de desconfiança, de medo, de que aconteça a famosa "palmeirada".



Nesta sexta-feira, o Palmeiras eliminou o Novorizontino do Paulistão com uma tranquilidade pouco vista nos últimos tempos. Depois de entrar em campo com vantagem graças aos 3 a 1 da ida, o time controlou o jogo o tempo todo, criou as melhores oportunidades e, ao natural, chegou à vitória por 3 a 0, que poderia ter sido bem maior,, não fossem os gols perdidos.



Os pessimistas dirão que esses gols perdidos podem fazer falta num jogo contra um adversário mais complicado, como já aconteceu contra o Jorge Wilstermann. Eu já acho que são um sinal de que o time está em evolução e, acima de tudo, deixou esse peso emocional para trás.



Em 1965, uma moça de longos cabelos crespos de nome Maria Bethânia Viana Teles Veloso despontou para o sucesso musical dentro do espetáculo "Opinião", uma das primeiras peças de resistência à ditadura militar recém-instalada.



Ela cantava "Carcará", canção do maranhense João do Vale e do sergipano José Cândido que usava o "pássaro malvado" do sertão que "come inté cobra queimada" como alegoria para a resistência do sertanejo e, por extensão, do brasileiro diante do autoritarismo de seus governantes. A canção fez a fama de Bethânia, que a gravou como seu primeiro compacto e dali em diante ganhou luz própria como uma estrela da arte brasileira, em vez de ficar limitada à condição de "irmã do Caetano".







O comportamento do Palmeiras desde o início do Brasileiro de 2016 tem sido exemplar no sentido de fugir da "palmeirada". Na campanha do título, foram cinco jogos não vencidos em casa, três deles contra rivais diretos pelo título, Santos, Flamengo e Atlético-MG (a única derrota). O empate contra o Cruzeiro veio num contexto específico, fora de São Paulo, e com Gabriel Jesus chegando às pressas da seleção. Só o empate contra a Ponte foi mesmo um tropeço - curiosamente, do outro lado estava o nosso técnico de 2017.



O jogo contra o Novorizontino seria o cenário ideal para uma presepada nos anos anteriores. Vantagem, casa cheia, cenário histórico de grandes vitórias - porém o mesmo Pacaembu dos vexames contra o Goiás, na Sul-Americana de 2010, e o Tijuana na Libertadores de 2013.



Mas o Palmeiras de hoje parece reviver velhos tempos: foram-se os tropeços bobos e voltaram as vitórias do gigante que não dá chance para ninguém. Como o pássaro da canção, ele vai para cada partida como se fosse uma decisão, joga com inteligência e astúcia, administra e, na hora certa, dá o bote. Contra os ditos "pequenos", não tem mais vacilo. Que na hora das grandes decisões que nos esperam neste ano o Palmeiras também entre em campo para ser o carcará, aquele que pega, mata e come.



Carcará é malvado, é valentão

É a águia de lá do meu sertão

Os burrego novinho num pode andá

Ele puxa o umbigo inté matá

Carcará

Pega, mata e come

Carcará

Num vai morrer de fome

Carcará

Mais coragem do que home

Carcará