As doloridas palavras acima poderiam muito bem ser do atacante Gabriel Jesus, que chegou a a ser a esperança dos brasileiros na Copa do Mundo de 2018 e terminou como um dos 'vilões' após a queda da competição sem sequer balançar as redes. Mas são do amigo e ex-companheiro de equipe, João Wanderley, que também passou por - muitos - altos e baixos na curta carreira como jogador. Nesta semana, a história dos dois voltou a se cruzar, desta vez em Portugal, onde pode marcar o recomeço da dupla em busca do sonho de brilhar no futebol. O LANCE! conta a história e a amizade dos garotos, que começou bem antes de se tornarem atletas profissionais.
Massacrado depois do fracasso na Rússia, Gabriel Jesus, agora mais leve, tem a chance de retomar a confiança e a alegria na Seleção Brasileira, nesta tarde, em amistoso contra o Panamá, no Porto. Bem próximo de lá, a cerca de 50 quilômetros de distância, na cidade de Ponte de Lima, seu inseparável companheiro dos tempos de base tenta o recomeço na carreira. Situações hoje bem distintas, mas que iniciaram da mesma forma, lado a lado.
Desde que chegou à base do Palmeiras, aos 15 anos, João seguia os mesmos passos de Jesus. Juntos, rapidamente se tornaram os destaques da equipe sub-17, que chegou às finais do Paulista da categoria. Enquanto o atacante era o artilheiro, o volante era o 'garçom' e distribuía assistências para o hoje camisa 33 do Manchester City. Venceram o Santos de Tiago Maia (Lille-FRA) e Caio Henrique (Fluminense), o Corinthians de Malcom (Barcelona), Maycon (Shakhtar) e Arana (Sevilla) e se credenciaram como um dos times mais fortes do país na categoria. Subiram juntos ao sub-20, mas não tiveram a mesma sorte. Na reta final dos juniores, foram avisados que apenas um deles estava nos planos para ser aproveitado no elenco principal.
- Após um ano e meio no sub-20, chegou um treinador que não gostava muito do meu futebol. Ele chegou e me afastou de cara. Ainda tentei ter uma conversa com ele, mas não cedeu. Os outros jogadores dispensados também não entenderam muito bem. Eu vinha de um ano que era capitão do time, estava voando, dei muitas assistências pro Jesus, fui vice-artilheiro do time. Estava em um momento fantástico e aconteceu isso. Faltando uns quatro meses para terminar o contrato, fui avisado de que não seria renovado - conta João Wanderley ao LANCE!.
- Pensei que poderia chegar, saí de casa garoto, vi que era meu momento. Fiz alguns treinos no profissional. Estava muito perto, mas da nossa geração só subiu o Jesus.
Frustrado com a dispensa e perto de estourar a idade nos juniores, João viu a chance de vingar escapar por pouco. Meses depois, tentou a sorte no Avaí - sem sucesso. Completou a base na equipe catarinense e chegou a atuar em duas partidas pelos profissionais na Série B, mas não teve sequência. Chegou a treinar na Portuguesa-RJ para a disputa do Carioca no ano passado e a levar um 'calote' de um empresário que o levou para Portugal sem propostas concretas. Hoje, quase um ano depois, faz parte do elenco do modesto Limianos, onde quer se estabilizar para buscar voos maiores. E acredita que as pancadas do futebol servem para ensinar lições.
- Quando a gente está só vivendo momentos bons, talvez não consiga enxergar o outro lado da moeda. Quando a gente recebe um 'não', recebe umas pancadas, vê os dois lados. Já vivi o topo dentro do que podia, e vivi um momento horrível, fundo do poço. Muitas pessoas não tem essa certa humildade de dar um passo atrás depois ir pra frente. Me reergui, me superei e acho que isso caleja. Nesse meio tempo, tive uma breve passagem em Portugal quando fiquei um mês lá, fui para um clube que um cara prometeu milhares de coisas e nao era nada disso. Falaram que era segunda divisão, era a quarta. Não sabiam nem que eu ia, o clube se irritou com o cara que me indicou. Prenderam meu passaporte, fiquei preso, não queriam deixar ir embora. Fiquei desesperado, chorava lá sozinho. Atletas são considerados mercadorias, esquecem o lado humano - explica João, que defende Gabriel Jesus das críticas e confia em uma volta por cima na Seleção.
- A gente criou uma parceria muito grande dentro e fora de campo. Ele sempre foi fechado, reservado, mas dentro de campos as coisas fluíam muito. A gente dava assistência, dava risada no meio do jogo, combinava comemoração antes do jogo. Criamos essa parceria que mantém até hoje pela pessoa que ele é. Muitos que chegam lá se deslumbram, ele não. No futebol e em qualquer profissão uns demoram um pouco mais. Ele estourou cedo e vai amadurecer. Frustração? Eu não tenho nenhuma, acredito muito no meu potencial. E fico muito feliz por ele. A gente quer estar lá. O sonho continua.
“É preciso se atrever a ser grande, seguir a perfeição, é preciso sempre estar no limite, porque as pessoas não entendem o porque da grande obsessão em ganhar, em bater metas e realizar sonhos. Fazer de cada treinamento e cada partida como se fossem os últimos e tudo o que for negativo, pressão ou desafios é uma oportunidade para crescer.”
Em contato com o LANCE!, Gabriel Jesus, da concentração da Seleção Brasileira, mandou um recado desejando forças para João Wanderley retomar o bom futebol demonstrado nas divisões de base do Palmeiras. Confira abaixo.
Você acabou de fazer 22 anos. Acredita que ainda dá para sonhar alto com o futebol, como Europa e Seleção Brasileira?
- Claro. Tenho metas de jogar na Série A, como Fluminense (passou pela base de Xerém), Palmeiras e todos os grandes. Sonho com Europa, Seleção, porque sigo muitos exemplos próximos. Além do Jesus, sou amigo do Kenedy (hoje no Newcastle-ING). Lutaram, brigaram, foram criticados e passaram por cima. Jesus é muito humilde, sem pai, mãe sozinha, sempre feliz, focado. Venceram e não mudaram a personalidade. Ainda há certos exemplos como o Paulinho (volante), que jogou a quarta divisão de São Paulo, sofreu, ralou, foi considerado fracasso no Tottenham, depois chegou ao Barcelona e Copa do Mundo. Se pegar exemplos que tentaram e não conseguiram, só se afunda. Vejo sempre os bons exemplos com potencial, almejo seguir esses passos.
E no estilo de jogo, quem são seus ídolos e inspirações na posição?
- Sempre gostei do Xavi, um ícone. Pela altura, estilo de jogo. E quando o Arthur surgiu, muitos me mandaram mensagem falando que parecia comigo. Hoje eu sigo pelo estilo de jogo, até pela semelhança física. Tenho bom combate apesar de não ser marcador, gosto de estar perto para desafogar as jogadas, passes curtos e longos, entrar na área, com dinâmica. No Brasil gostam muito dos jogadores habilidosos que driblam e são rápidos, e às vezes não valorizam aqueles que fazem o time engrenar.
DRAMA, 'MILAGRE' E VOLTA POR CIMA NA INFÂNCIA
A história de João Wanderley é bem maior do que você imagina. Bem antes de chegar ao Palmeiras, com 15 anos, o garoto nascido em Belo Horizonte por pouco não abandonou o futebol ainda na infância. Na verdade, o fato de ter sobrevivido de uma bactéria já estava de bom tamanho para seus familiares.
Após seu pai receber uma proposta de emprego no Rio, João entrou na escolinha do Vasco, na Barra da Tijuca. Ainda com sete anos de idade, começou a dar os primeiros passos no mundo da bola e chamar a atenção de treinadores. Foi convidado para se federar pelo Fluminense, na mesma geração de garotos que, anos depois, conquistaram o Brasileirão sub-20 - como o volante Douglas (Bahia) e os atacantes Gerson (Fiorentina) e Pedro (Fluminense). Migrou para o futebol de campo em Xerém, até que passou pela situação mais difícil de sua vida. Ele relata o drama.
- Eu caí após uma falta, tinha 12 anos. Ralei o joelho, sangrou um pouco e continuei treinando, sem lavar, sem nada. Na época, Xerém não tinha a mesma estrutura de hoje, tinha muito barro. Passaram duas semanas e meu joelho ficou muito inchado. Fui para o DM e deram o caso como se fosse tendinite. No hospital, disseram a mesma coisa. Não desconfiei de nada. Um dia acordei com uma dor insuportável e falei para minha mãe que não conseguia ficar em pé. Sem condições de jogar, fui apenas assistir um jogo de futsal no Grajaú. Comecei a sentir dores no pulmão e enjoo. A mãe do Douglas, que cuidava da gente, me deu um refrigerante e vomitei na hora. Me levaram para o hospital e nos exames de urina viram logo pela cor que tinha uma infecção. Era época da gripe suína, achavam que era isso. Na ressonância, viram que meu pulmão estava tomado pela bactéria. Fui internado na hora e fiquei dez dias em coma - relata João, que se emociona ao lembrar do caso.
?- Minha mãe e meu pai diziam que os médicos já estavam sem esperança, não tinha mais jeito, fizeram tudo que podiam. Minha mãe foi na igreja rezar e chorando na capela, falou que poderia levar o filho. O médico chamou no dia seguinte e aumentou as esperanças. Simplesmente deu certo o tratamento, fui desentubado e comecei a lembrar. Não sei se foi milagre, eu não tinha a noção na época. Fiquei muito nervoso, sem saber onde estava. Meu primeiro banho depois de 10 dias fui tentar ficar em pé e caí, chorava muito. Após isso, fiz cirurgia no joelho, descobrimos que o foco foi nele. Nada de ligamento, músculo, só abriu para limpar a bactéria.
O processo de recuperação não foi fácil. O garoto usou cadeira de rodas, teve que aprender a andar de novo e precisou de diversos tratamentos pulmonares. Foram cerca de 60 dias no hospital. Ele agradece ao empresário Evandro e ao preparador Leandro, que desde de os 11 anos o acompanham na carreira.
- Perguntei ao meu pai se ia poder voltar a jogar, não tinha a dimensão do que tinha acontecido. Fiz fisioterapia no Fluminense. Com 4 meses voltei a treinar no futsal, fiz gol contra o Vasco, chorei e tudo. Mas nesse período, não pensei em desistir em nenhum momento porque não tinha dimensão do que era. Saí, era criança e só queria jogar. Agradeço muito ao Fluminense pelo cuidado que tiveram comigo. Anos depois, o treinador foi para o Palmeiras e me levou junto com a proposta do primeiro contrato profissional.
Ainda mantém contato com amigos da época do Fluminense?
- Sim. Douglas é um deles. Sou padrinho da filha dele, conheço desde os 8 anos de idade. A gente jogou futsal junto, crescemos juntos, brincávamos juntos, moramos juntos em Xerém. Para gente ficar mais próximo do treino, estudar perto do CT. Ele é fechado, jeito bronco, mas era só risada. Sempre tivemos contato e a relação. Até hoje a gente se encontra, sou padrinho da filha dele. Passou por uma situação ruim como eu passei de nao conseguir andar, doença séria, e uma superação física no profissional.
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Que história! Meu Pai. Mais vai em frente. Se Deus quiser e eke há de querer você vai vencer. Boa Sorte.