Dinheiro, poder e mais uma derrota das arquibancadas

12 de junho de 1993, por volta de meio-dia. A TV Bandeirantes, frenética, já ricocheteava pelo Morumbi transmitindo tudo da final do campeonato paulista. Um repórter da casa estava cercado de gaviões e organizou com os torcedores uma coreografia, uma música que era nova e tal. Foi assim que, ao vivo na hora do macarrão, a família paulistana ouviu "No Rio ela arregaça qualquer um que ela encontra / Não tenho medo de morrer / Eu dou porrada pra valer". Um dia normal.



Anos antes, a TV Gazeta tinha o programa Show de Bola, se não me engano um apêndice do famigerado Mesa Redonda. No vídeo que você acessa aqui neste link, perceba o drama do espetáculo: o discurso do apresentador Roberto Avalone cita a festa das torcidas como salvação em uma época de incompetência dos dirigentes. O programa é uma espécie de Passa Ou Repassa de torcidas, enquadradas e adaptadas ao pequeno estúdio em relação de colaboração mútua. Elas já foram as queridinhas da mídia.



Porque a televisão, via de regra, primeiro explora o que há de estético para ser explorado e só depois se dá ao trabalho de fazer alguma crítica. Em qualquer departamento, novela, telejornal, futebol, tudo. Pela oferta visual, deixa uma canção violenta entrar ao vivo, e quando o circo novo vira velha pauta a opção é se descolar do fenômeno e fingir surpresa com sua absorção entre os jovens. A famosa crítica sem auto-crítica, e antes fosse só isso: a crítica costuma ser, com a adoção de argumentos que não se cruzam com eventos cotidianos e alheios ao futebol, superficial até quando soterrada de razão teórica. Talvez agora o espetáculo rentável seja justamente a violência, temos tudo em HD mas é uma câmera sem vergonha de uma quitanda que flagrou um assassinato que vai para o ar sem reflexão alguma.



E sem fuga. Quem mudasse de canal quando a Gaviões da Fiel falava ao vivo que dava porrada pra valer provavelmente encontraria a banheira do Gugu noutro canal, e uma atriz contando para o Faustão os motivos de gostar de sorvete de maracujá na concorrente maior. Tiramos algumas apelações da tela. Colocamos covardia e preguiça, mesmo que para isso um helicóptero tenha que ser alugado. Mantivemos a pasmaceira que a muitos interessa.



Vazio



Pelas próximas cinco partidas em casa, um pedaço do estádio estará fechado. Nenhuma contribuição será dada à discussão da violência no futebol e na sociedade. O aparente apoio à "criatividade" da punição é só isso mesmo, aparente, defendida quase sempre por profissionais presos ao mundo das aparências, e hoje pega bem bancar o durão com esses grupos organizados, é quase como passar um pouquinho mais de gel no cabelo. O cara se sente fazendo o bem.



Uma reunião de três horas seria suficiente para remapear o estádio e garantir integralmente o que o plano Avanti prevê com muita clareza. Creio que não deu tempo, já que a diretoria está muito empenhada com nosso futsal, nossa categoria de base, com o time de basquete, talvez até o time feminino, vai saber. Com a intimidade de uma secretária eletrônica de uma cancela de shopping center, a diretoria informou a torcida, via nota oficial que, coincidentemente, o setor que menos rende dinheiro será o único excluído dos próximos cinco jogos - e isso nada tem a ver com a punição do STJD, pois, repito, era possível remapear o estádio. Faltou vontade política.



Aliás, pergunta repetida, alguém aqui consegue explicar de onde saem os números finais da renda dos jogos do Palmeiras? O clube nunca se deu esse trabalho, estampa números milionários no telão e pronto, mas as contas carecem de discriminações mais específicas, pois envolvem presunções que simplesmente não são claras. Tenho preocupação com a clareza e a transparência de uma diretoria cujo líder colocou três dígitos de milhões de Reais no fluxo.



Milhões de reais que, para muitos, perpetuam a gestão como boa. De fato é muito bom injetar um dinheiro que anaboliza as contas e te dá como efeito colateral o direito de negar-se a aderir ao ProFut, por exemplo (estou sendo irônico). Imagina se Mustafá, Della Monica, Belluzzo e Tirone também tivessem colocado, sei lá, 150 milhões no clube cada um em uma gambiarra econômica irresistível? Seriam considerados bons gestores por isso? Colocar sua fortuna no fluxo financeiro não é sinônimo de boa gestão, mas de aventura arriscada. Injetando de fora o dinheiro necessário para tal, até Michel Temer seria um bom gestor do Brasil. Mas, afinal, é de dinheiro ou de poder que estamos falando?



Pois Paulo Nobre colocou dinheiro no Palmeiras para transformá-lo em poder. É a busca natural e compreensível de quem já não tem mais o que fazer com a fortuna herdada. A mesma lógica explica cada pequena vitória que ele acha que conquista contra as organizadas que se opõem a ele. Não é uma questão de lucro ou prejuízo, nem de preocupação real com o fim da violência: ele só quer mostrar que pode negar pequenos direitos e romper com grandes promessas, no caso as promessas que o plano Avanti garantiu a toda torcida. Teve linha cruzada com Crefisa, W-Torre, imprensa, torcida, mas encerra seu mandato sem maiores rusgas com Paulo Castilho (que tirou as torcidas rivais do estádio), STJD (que tirou a nossa torcida dos jogos como visitante) e Polícia Militar (aquela que tira do visitante o direito de ter 10% por "recomendação especial"). Curioso.



E, assim, caminha para o final de seu mandato impessoal, frio, artificial, que só se sustentou graças ao gol que o Atlético-PR não fez em 2014, que começou abraçada ao infame Brunoro e termina obesa, cara, unida ao aloprado Alexandre Mattos. Uma gestão que pareceu até disposta a reposicionar a relação entre clubes e organizadas - e teria meu apoio ao menor sinal de seriedade -, mas só reproduziu o que a televisão já fez décadas atrás. Se descolou do problema, boicotou o debate e chamou de novidade aquilo que de novo nada tem. Sua obra final é o apoio indireto (?) à punição a um pedaço de cimento cheio de cadeiras que verão, geladas, 15 pontos entrando e saindo de campo.



Com o time em 1° lugar e a torcida emocionada, o debate se esvazia ainda mais. É uma pena, pois é possível estar muito feliz sem abandonar um debate necessário - e esta punição bizarra necessita de debate. Voz de secretária eletrônica. Imagem do bonequinho virtual do site. "O Palmeiras não cresce com torcedores de estádio". Sua ligação é muito importante para nós. "Não existe gratuidade no Allianz Parque". Confira a nota oficial. Em que posso ajudar? Segue o baile.